segunda-feira, 10 de setembro de 2007

(in)sanidade

Via-se algo pequeno, tremulo, no canto da cama. Não emitia som algum, quase não se movia. Era preciso algum tempo para reconhecer as pernas encolhidas junto ao resto do corpo formando aquela estranha figura. Os lençóis cobriam-na até os cabelos, escondendo o vermelho, vendo-se apenas um pedaço do travesseiro amassado.
Na parede branca encontrava-se sua sanidade, já preta, zombando-lhe os olhos inchados. Ela, com as garras metálicas, alimentava-se do que restara de si, soltando gritos surdos. O que antes não se movia, agora não se aquietava, chutando roupas e cobertas, expondo pele e ossos nus.
O suor do frio escorria-lhe pelas costas, eriçando os pelos. As entranhas retorciam-se, fazendo-a urrar, mas não importava o quão vermelha fosse a mancha no assoalho de madeira, o nojo ainda não saia de seus dentes. O doce cheiro pútrido da sua pele branca impregnava o quarto, corroendo as paredes, abrindo buracos tapados pela dor.
Olhos com pupilas dilatadas e pálpebras ardendo recusavam-se a abrir, temendo a luz inexistente no ambiente. As unhas roídas fincavam no colchão da pele, arrancando cabelos e sangue rubros. No silêncio sinfônico misturavam-se soluços com risadas cortando tênues linhas antes traçadas. A sanidade, cansada da carne quente, debatia-se nas paredes não mais acolchoadas, entorpecendo a língua enrijecida.
Rastejando pela pele ela subia, nefasta, afiando os dentes. Percorria osso e músculo, possuindo-os. Chicoteava a cauda, consumiu dor e medo.
Da carne fez-se pó, e este, consumiu-se.