segunda-feira, 23 de novembro de 2009
it's all for you...
Assoprou a sua pele devagar, desenhando um traço pelas costas, com cuidado para não acordá-lo; gostava de vê-lo dormir com aquela expressão, tranqüilo, alheio a tudo. Quedou-se a ficar ali, deitada ao seu lado, tentando ritmar as respirações, assim como ele fazia com os passos quando andavam pela rua, compensavam assim a falta de sincronia no resto do tempo. Ainda era quase noite lá fora, gostava do lusco-fusco com chuva, era como uma pequena canção de ninar, a qual ela sabia todas as notas e cantaria até que acordasse.
Ele abriu os olhos devagar, como se ainda cansado de tanto dormir, e assustou-se com os dois olhos que o observavam tão de perto, nunca tivera coragem de reclamar dessa mania, por mais que o incomodasse.
“Bom dia....” Falou ainda dormindo, sem certeza se queria dialogar ou apenas voltar a dormir.
“Bom dia dorminhoco. Dormiu bem ou te chutei demais?”
“Mais ou menos, mas consegui dormir, é só conseguir controlar as suas pernas de não caírem que o resto da noite fica tranqüilo.” Olhou rapidamente pela janela e viu o dia nublado ainda por nascer, com muita pouca luz ainda “Que horas são?”
“Não sei, mas ainda não amanheceu. Por isso não te acordei. Volta a dormir amor.”
“Você dormiu?”
“Pouco.”
“Por isso que eu estava dormindo então.”
Ambos riram um pouco, bem baixinho, podiam acordar algo pela casa, mesmo que esta como sempre estivesse vazia. Olharam-se por algum tempo, ele com os olhos fechados, mas sabendo exatamente quais seriam suas expressões e movimentos, e como, daqui a pouco, ela beijaria de leve as suas bochechas e se aninharia no corpo dele, sempre esperando alguma palavra ou gesto que confirmasse seu amor por ela, apesar deste já ter sido comprovado há anos. Ele apenas a abraçou e cheirou seus cabelos, gostava de deixá-la no mudo suspense.
“Você não vai dizer, né?” Ela perguntou com a voz sonolenta.
“Dizer o que?”
“Nada não...”
E apenas se entregou a dormir, estava cansada, e sabia que até que ele o dissesse seria insistência demais, por mera implicância. Ambos já sabiam como o outro funcionava, ele conhecia a insegurança dela, e ela o resguardo dele, então gostavam de brincar com isso. Seu amor não teria graça sem isso, sem essa doce habilidade de jogar e entender um com o outro, mesmo que na maior parte das vezes não se compreendessem.
“Eu te amo.” Ele falou baixinho, no pé do ouvido, mas só depois que a ouviu dar um leve som de (quase) ronco, um dos tantos barulhos estranhos que fazia.
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
and it was all yellow...
Sentou-se na varanda da casa e deixou a porta aberta, queria que a poeira do verão entrasse. Sorriu para a sombra das duas árvores a sua frente, lembrava de já serem grandes quando ela ainda era apenas uma pequena semente em sua mãe, como papai sempre tentava explicar, e se perguntava quanto tempo as arvores vivem, e se é mais agradável a vida lá em cima que aqui em baixo.
Gostava do cheiro dessa estação, apesar de não gostar do calor, era um cheiro seco e morno, não sabia explicar, e o cantar das cigarras sempre a fazia pensar no natal, elas sempre cantavam alto nesse dia, por alguma razão. Passaria todas as tardes sentada naquela cadeira de balanço se pudesse, sem fazer nada, talvez com um livrinho ou outro, e alguns copos de suco e chá gelado, mas apenas apreciando o aroma. Também lhe agradava o amarelado que as coisas tinham por essa época do ano, é como se o calor se manifestasse em tudo assim, compensando-lhes pelo desconforto e o cansaço, às vezes era isso mesmo.
Prestou atenção nos sons a sua volta por alguns instantes, parou de respirar o máximo que pode para não atrapalhar com nenhum ruído, era uma pequena sinfonia tão bonita, sua de tão secreta. Havia os pássaros cantando e piando pelo jardim, alguns melhor que outros, os micos procurando por comida pulando de galho em galho, o canário dos avós cantando no quintal de trás, a avó cantarolando pela cozinha enquanto fazia algo gostoso para mais tarde, e bem no fundo um leve zumbido da tv ligada no andar de cima enquanto o avô assistia o futebol, e depois de algum tempo e um quase sufocamento, a seu próprio som de existir fundindo-se a tudo. Essa seria uma atividade que faria pelo resto da vida, observar como tudo se conecta mesmo quando não se percebe, e apenas é preciso um pouco de atenção para ver, ou ouvir.
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