domingo, 26 de setembro de 2010


O olhou de longe e ascenou, estava sentado ha algum tempo sozinho na calçada daquele café, as cadeirinhas na rua com o seu tom frances. Ele sorriu e respondeu o gesto, com um ar doce. Ela se aproximou, observou como o cachecol xadrez combinava com os olhos azuis, puxou a cadeira e sentou.
"Oi."
"..... Oi."
"Tudo bem?"
"Tudo, e voce?"
"Tudo otimo. Tá há muito tempo aqui?"
"Não sei, talvez uns quarenta minutos. Q..."
"Não não, eu faço as perguntas hoje."
"...... tudo bem então."
Pegou o cigarro da bolsa e pediu ao atendente um isqueiro para acender, jogou o resto do maço na mesa, talvez em um gesto de oferecimento, mas continuou focada no menu.
"Parei de fumar."
"Oi? Ah... bom pra voce. Dizem que faz bem. Não sei, nunca tentei. Quer alguma coisa? Mais um café? O seu já deve estar frio."
"Pode ser."
Ela falava animada com o garçom, gesticulando e tagarelando alguma coisa qualquer. Era simpatica, meiga, daquele jeito que irrita as vezes.
"Pode deixar que eu pago, e não vou te incomodar por muito tempo. É que fui demitida, sabe."
"Está tudo bem? Por que voce foi demitida?"
"Sim sim, tudo otimo. Nunca gostei de lá, gente mesquinha. Não sei direito, algo a ver com contenção de despesas, blablabla. Ironicamente não demiritam a outra secretáriaincompetentepeitudaquedáprochefe, não sei porque ainda. Talvez não deveria ter negado aquele boquete quando ele pediu, mas foda-se, ja foi."
Ele apenas olhava assustado, sem saber como responder. Esquecia as vezes como era a honestidade dos inocentes, daqueles tão corrompidos que tudo se torna inverso. Convenientemente o garçom chegou com os pedidos. Aparentemente a demissão não diminuiu o ritimo como gastava.
"Voce vai comer esses tres pedaços de bolo, a torta E os pãezinhos com geléia?"
"Não não, são pra voce tambem, bobo. Não sabia do que voce gostaria mais, então pedi tudo. Parece bem gostoso. Pode pegar."
"Ah....."
"Agora estou com esse projeto de vida de virar hippie, sabe? É uma desculpa conveniente para a pobreza, e com certeza soa muito melhor que a palavra 'pobre'. Coisa horrorosa. Mas então, quão mais rapido eu gastar o meu dinheiro, mais rapido ele acaba e eu posso odiar o capitalismo e vivier dos meus artesanatos. Pena que não pode gastar com roupa, é muito consumista e tenho que treinar o desapego material."
Ele apenas ria, a achava estranhamente divertida sentada ali tagarelando sobre nada, mas sem querer deixando escapar segredos. Passaram horas ali, apenas conersando, pediram mais cafés, uma dose de vodka "para esquentar o coração" ela disse, e mais um pedaço de torta. Dividiram tudo quase irmamente, mesmo sem querer.
"Ai querido, desculpa, tenho que ir já. Preciso passar na casa dos meus pais e avisar o que aconteceu, e deve demorar bastante."
"Que pena... está tão divertido aqui com voce."
"Eu sei, podemos repetir quando quiser. E da proxima vez eu talvez te deixe fazer as perguntas."
"Seria bom. Quando voce pode?"
"Qualquer dia. Estou desempregada, lembra?"
"Amanhã."
"Eu disse qualquer dia. Se combinar certinho estraga. Gosto desses encontros casuais sem querer."
"Então tá."
Ela deixou a carteira em cima da mesa e se levantou sem dizer nada, apenas andou para longe. Ele até tentou chamar, mas não respondeu.
Dentro havia o dinheiro quase certinho da conta, como se ja soubesse quanto seria gasto, e nenhum documento nem nada que a identificasse, nunca perguntou seu nome. Apenas um papel, provavelmente um guardanapo, escrito a mão fora deixado ali.
"Pela beleza de fazer um desconhecido o seu amigo mais íntimo, nem que por algumas horas."

Um comentário:

Clarissa de Andrade Correa disse...

adoreeeeeeeeei! Muito bom, amiga. Pensei em voc^}e fazendo isso. É bem a sua cara. haha
Gostei muito desse clima de estranhos conhecidos. Gosto bastante. E o final também.
Dia desses a gente se esbarra e você me deixa a carteira com a conta. haha