sábado, 1 de junho de 2013

                Hoje assisti o primeiro paciente morrer. Digo “o” no lugar de “meu” pois, na verdade, este não pertencia a ninguém até o exato momento no qual isso foi necessário. Até o segundo no qual seus sistemas falharam e todos, heroicamente, correram para resgatá-lo.  Morreu ali mesmo no corredor, estendido em um banco, e nenhum esforço foi suficiente.
                Assisti tudo a minha luz de mera estudante, não podendo ou sabendo fazer nada além disso: observar. Olhei tudo nos mínimos detalhes, a correria das enfermeiras tentando coletar materiais e assistir os médicos, estes gritando com residentes e internos, mas ao mesmo tempo possuídos de uma calma sobre humana. Vi, com o maior pesar, uma família se despedir de um ente querido. Que morreu em um corredor, onde todos continuavam e continuarão passando.
                Prestei atenção em minhas emoções e no fato de surpreendentemente a morte não me surpreender. Não me foi estranho ou desgostoso ver aquele corpo, já sem vida, ali deitado enquanto esperava uma maca para carregá-lo e salvar os mais sensíveis de sua visão. E nem de longe foi prazeroso. Parecia um ato cotidiano incômodo, algo que eu sei que devo me acostumar, mas não sei se quero. Ao meu lado havia uma família chorando sua perda, e eu apenas atônita parada no meio do corredor.
                Ali jazia um ser humano, com angustias, alegrias e uma família a velar por ele. Vi uma mãe, no dia seguinte ao dia das mães, dizer adeus a seu filho e desejar-lhe bem para onde quer que tenha ido. Um filho perder o pai e imergir em lagrimas, sem conseguir dizer nada. Uma mulher perder seu marido e tentar fazer com que a família não desmorone, talvez apenas para que ela mesma também não o faça. Quis abraçá-los e dizer que tudo ficaria bem, mesmo sabendo ser uma mentira. Nada mais será o mesmo a partir de agora para eles, e tudo começou em um banco no corredor de um hospital enquanto aguardavam uma consulta.

                Percebi o jaleco branco como um disfarce, um contraste sobre o nosso véu negro. Pois, ao mesmo tempo em que somos responsáveis por início, recuperação de sistemas e até a restauração de vidas, também carregamos escondida a foice da morte. E esta ocorre em todos os lugares, até em um corredor de ambulatório às oito da manhã de uma segunda feira.

(15/03/2013)

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