sexta-feira, 3 de abril de 2009

let the seasons begin,


No circo de palhaço, malabarista e bailarina nasceu uma flor. Pequena, miudinha, de um tamanho quase tímido. Cresceu de uma semente trazida pelo vento, não se sabe de onde ou o que, era tão curiosa. Tinha apenas um botão em sua ponta de uma cor indefinida, alguns diziam branco outros vermelho, até azul se ouviu. “Depende da hora, é mágica.”, falou o senhor de cabelos brancos dito como dono do local. “E o que se faz com isso? Botão de flor colorido maluco serve pra nada não. Nem desabrochar ela consegue.” Reclamou o leão, saudoso da atenção perdida.
Passou dia, noite, sol e chuva, até a estação mudou. O outono soprou, o inverno gelou até chegar a prima primavera. Da flor tomou conhecimento, mas nesta nem gastou muito tempo, era velha amiga. “Espere e verás” afirmou ao dono, que preocupado com a florzinha colocou-a em uma redoma de vidro. “Espero o que? Verei o que? Só não me diga que a levará embora, irei a falência, Prima.”, ela deu uma pequena gargalhada e o olhou com carinho. “Acalme-se, esta não obedece a mim.” “Então a quem o faz?” “Não sei.”.
E assim tudo continuou como era, a flor como uma atração estática e todos seus companheiros móveis e habilidosos, havia quem sentisse inveja. Tanto tempo passou que mudanças chegaram por lá; o dono tornou-se mais novo e trocou a cor dos cabelos, nem se dizia ser a mesma pessoa, e o leão perdeu a juba e até cresceu listras pretas.
Um dia, dia comum como todos os outros, ela desabrochou. Lançou um perfume fétido, podre, sua cor tornou-se negra como a morte, ou como a fome para alguns. Moscas se banhavam felizes no néctar sempre fluído de suas pétalas, ninguém atrevia se aproximar. Não havia fragrância francesa ou italiana que escondesse seu cheiro, impregnou na lona das paredes e na madeira da arquibancada. Secou todo o chão a sua volta, matou sem dó nem piedade tudo vivo preso a ele, sem chance de fuga, ainda por cima era covarde. Adquiriu uma voz feminina, aveludada, como quem seduz.
“Oi? Oi?” Chamava aos que observavam de longe, com as mãos sobre o nariz, e quando percebia a falta de sucesso em uma resposta esperava até o próximo passante. Passou dois dias assim, no final só indagava um “ooo...” e nem terminava, conhecia a surdez da ignorância. Desavisado e velho, perdido em sua quase cegueira, o leão chegou-se por perto, pisando no chão gosmento de néctar podre misturado com a terra áspera, “Que fedor aqui!” “Leão? Achei que tinha perdido a juba e criado listas....” “Não, aquele é o tigre. Meu substituto. Quem é?” olhou para os lados procurando, reflexos do passado. “Sou eu, a flor.” “Eca! É você que fede tanto assim? Sempre disse que era erva daninha....” “Sim, esse cheiro é meu. Cheiro a humanidade, e não sou erva daninha.” “Oi?!”
“Tenho o cheiro que me dão, não sou flor, sou a necessidade. Nasço de tempos em tempos, por aí, não tenho hora ou lugar certo. Como botão represento tudo o que o homem pode e precisa, sou viva, brilho. Mudo, alegro, viro atração. Sempre sou feliz como botão, consigo analisar bem caracteres. Até o dia que desabrocho, mostro a realidade, o odor vem da essência humana, modificada e pútrida cada vez que surjo, sempre pior.”
Após esperá-la terminar de falar o leão despediu-se e foi, com lagrimas a escorrer dos olhos. Naquela mesma semana o circo fechou, e da flor não se soube mais.

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