terça-feira, 22 de setembro de 2015

0.1

                E em um piscar de olhos, você estava lá. Teu cheiro, teu jeito, tua voz. Suas palavras preenchiam os meus dias, enquanto eu insistia em manter a porta fechada. Aqui você não entra, gritei comigo, postergando o inevitável.
Eu preocupava com as portas, passei a tranca em todas, e você pulou os muros. Um por um, fazendo da minha pista de obstáculos uma trilha a ser descoberta. Entrou nos quartos, nas salas, tirou o pano dos moveis, abriu as janelas. Olhei as rachaduras, percebi o quebrado, corri para esconder os cacos. Em vão.

Descascou todos. Um por um, meus pedaços caíam por trás dos sorrisos e você sempre a olhar. Prestou atenção em cada, até ver o todo. A luz entrava pela janela e não havia onde esconder. As portas estavam abertas e as chaves agora não mais me pertenciam. 

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

                Aquelas paredes já haviam visto de tudo, mas nada as prepararia para o que estava por vir.
                Motel barato, perdido entre a Lapa e a Glória. “Lugar justo” alguns dizem. Paredes recobertas de veludo, para guardarem seus segredos. Gravam tudo, riem e discutem. O bizarro já virou rotina. Entra um casal jovem, descolados e despretensiosos. Daqueles que confundem luxuria por amor e safadeza com carinho. Olha que engraçado, ela tá vestida de palhaço. Já é carnaval?
                Acendem um baseado, o riso rola solto. Mais um desses, tão ficando populares. Fica quieta senão não consigo ouvir. Xi, ficou seria a conversa. Meu deus, o que é que eles tão falando? É isso mesmo? Por que eles estão rindo? Isso não é engraçado. Cala a boca senão eu não consigo ouvir!
                As horas passava e eles continuavam lá, vestidos, conversando. A quantidade de peças no corpo aos poucos diminuía, mas não os assuntos. Eles decidiram se conhecer no motel, é? Gente estranha. Já te falei pra ficar quieta. Ah ta, quando é putaria você não cala a boca, e agora eu não posso falar?! Isso é diferente.  Ih a lá, agora vai.

                Tempos de silêncio e eles voltam, a risada continua. Conseguem ouvir os quartos alheios e mais gargalhadas preenchem o ambiente, junto a certeza de que em nenhum outro aquilo tudo estaria acontecendo. Ela sorri após cada beijo, ele olha e nada diz. Eles já vão né? Já. Será que lá fora a coisa continuam assim? Não sei. Será que eles voltam? Espero que sim.