segunda-feira, 22 de março de 2010

quase Alice...


Foi numa tarde de segunda-feira que a vi, enquanto sentava na Travessa encolhida a estudar. A primeira vista era apenas um pequeno borrão, o mais colorido que já havia visto, mas ainda uma figura disforme graças à miopia e a falta de óculos. Rapidamente os busquei dentro da mochila para poder observá-la melhor, era uma das criaturas mais belas que já me havia cruzado os olhos. Continuei ali, perdida no tempo, a admirá-la do outro lado do vidro, folheava revistas sem importância, apenas para passar o tempo. Não era o tipo de beleza para todos; era esquisita, com os cabelos curtos e roupas de cores engraçadas descombinadas, mas era o suficiente para ser o meu. Apaixonei-me ali. Não iria abordá-la, imagine só o cômico de ser abordada no meio de uma livraria em plena segunda a tarde de sol, seria demasiado embaraçoso para ambas. Ao invés contentei-me em continuar fazendo o que já havia começado: imaginar-lhe nomes. Não possuía feições doces o suficiente para chamar-se Cecília ou Sophia, meus nomes preferidos, mas a julgar pelo numero de livros em sua mão gostava tanto da arte da leitura quanto eu, então, pelo motivo mais clichê possível, chamei-lhe Alice.
Sentava-se a minha frente agora em uma das outras mesas, precisei me controlar para não encará-la demais, sei que tendo a fazer isso as vezes, por pura inocência. Como fomos felizes Alice e eu aquela tarde na minha imaginação, tínhamos uma vida, um futuro juntas. Nossas tardes eram sempre alaranjadas e com sabor de baunilha, e sempre havia uma chuva no finalzinho para refrescar; as noites eram amenas e estreladas, cheiravam a dama-da-noite e com vaga-lumes a serem vistos piscando no horizonte. Quando dei por mim estava sozinha na loja já a fechar e meu ônibus prontamente já saia do ponto, minhas coisas todas espalhadas na mesa e nada feito, as folhas apenas com as linhas azuis impressas. Arrumei tudo e logo me aprontei para partir; na saída passei propositalmente perto da mesa onde sentava mais cedo, na tentativa de capturar a sua essência já desaparecida no ar.
Voltei lá todos os dias, sentava na mesma mesa e agora com os óculos já no rosto. Alguns levava-lhe uma carta, escrita exatamente o que se lê aqui, apenas a carregava, sabia que não conseguiria entregar.
Voltei lá todos os dias, e nunca mais a vi.

sexta-feira, 12 de março de 2010

you walk this world like you're a ghost


Desabotoou a camisa devagar, queria saborear aquele momento. Na verdade, as mãos apenas tremiam impedindo a agilidade, o que era ridículo.
“Algum problema?” ele sorriu e perguntou, pegando as suas bochechas nas mãos.
“Não, nada.” Ela riu e olhou para o lado. O que fazia ali?
“Deixa que eu faço.”
E pegou a blusa das mãos dela, estava impaciente. A desejava há tanto tempo, imaginou e repetiu cenas na mente por semanas, meses talvez. Mesmo antes daquele beijo, aquele acidental e errado beijo. Ela olhava pela janela, não importava de estar seminua ali em frente a rua, parecia que queria que olhassem. Abraçou-a e beijou seu pescoço, as mãos deslizavam pela pele descoberta, mas continuou imóvel, apenas soltando um gemido.
“Está tudo bem?” ele perguntou, olhando o seu rosto apático.
“Está sim, pode continuar.” Ela respondeu, virando-se e sentando na mesa, abrindo as pernas vagarosamente. “ou desistiu?”
Ele apenas abriu um sorriso, sádico, cruel, e ela o respondeu. A possuiu ali mesmo, para todos os vizinhos escutarem, ao maior volume. Ocuparam moveis, assoalhos e horas, esquecendo de respirar, puxando o ar apenas quando necessário, o resto do tempo batiam e mordiam, em meio a juras de amor secretas, em sorrisos e olhares. Eram o amor e o ódio, um pelo outro, e pelo mundo.
As sombras alaranjadas dançavam no reflexo pelas paredes e espelhos, havia muitos ali, lembrava a um motel, talvez fosse, não sabia mais como havia parado ali, grudada àquele outro corpo, trocando cheiro e suor. Não sabia se chorava ou ria, apenas ouvia a outra voz ao longe, em um murmurinho chato, queria que se calasse, a desconcentrava.
“CALA A BOCA!” Gritou antes de perceber o erro que cometia, se encolhendo logo em seguida.
“Oi?”
“Nada.”
“Você está bem?”
“Eu estou ótima.”
“É nisso que você está pensando nas ultimas três horas? Porque aqui você não está.”
“Não, e claro que estou aqui, não está me vendo!? Desculpa, continua.”
“Não.” E andou para trás atordoado, recolhendo a roupa jogada. Como voltaria para casa?
“Ai... desculpa vai.” Ela falou empurrando-o na cama, beijando o seu rosto.
“Não. Deixa eu ver os seus olhos.”
“Oi? Pra que?! Não.” Falou saindo da posição que se encontrava e levantando da cama, andando de costas escondendo o rosto.
“Você está doidona, não está? Vem cá!”
“NÃO!!!!” E se apoiou no pequeno armário de gavetas antes que caísse, as pernas falhavam, e o a madeira solta do piso machucaria se caísse. Agora percebia estar em casa, de onde teriam vindo todos os espelhos?
“O que tem de errado com você? O que está acontecendo? Por que você não me conta? Cadê!? O que você usou!?” Ele berrava, descontrolado, estava preocupado, sabia que não deveria ter ido, não tão cedo, temia perder tudo ali. “ Vem cá.”
A puxou pelo braço até o banheiro, estava trancado então arrombou a porta.
“O que você fez?”
Estava tudo destruído, manchado, sujo, havia um canudo de metal ao jogado ao chão e frascos vazios, cada coisa em um canto do cômodo. Ela chorava, gritava, caída ao chão, sem saber para onde ir. Ele a colocou no box e a abraçou, ela chutava e gritava, não havia mais nada a ser feito.
“O que você fez com você?”
“VAI EMBORA!!!!” Gritou com a ultima força que havia em si, depois disso não conseguiria pronunciar outra palavra.
“NÃO! NÃO COM VOCE ASSIM, SUA ESTUPIDA! POR QUE É TÃO TEIMOSA?”
“POR QUE VOCE É, SEU ESCROTO?!”
“PORQUE EU TE AMO, E VOCE FICA ASSIM POR ELE!!!”
“ELE NÃO TEM NADA COM ISSO, QUEM ESTÁ QUEBRADA SOU EU! VAI EMBORA, por favor.” E chorou enterrando o rosto em seu peito, deixando-se ser abraçada. Pedia desculpas baixinho, beijava seus ombros, os movimentos voltando ao normal.
Abriu devagar a água gelada sobre os dois, ela tremia, só assim reparou os roxos pelos seus braços e pernas, as costelas amostra, e foi beijando cada parte, enquanto acariciava o seu cabelo.
“desculpa....” Repetiu mais uma vez, como se estivesse quebrada, encostada a parede do chuveiro com a maquiagem borrada a escorrer pelo rosto.
“eu sei. vou passar o resto da noite aqui com você, nada precisa acontecer, só vou ficar por aqui.”
“não precisa, pode ir.” Ela falou empurrando-o para perto e aninhando-o em seu peito, dando um pequeno sorriso, como se querendo mentir estar bem.
“mas eu quero ficar.”
“não, você não quer, mas sabe que é o certo. Obrigada.”
E o beijou pelo rosto todo, sabendo o que fazia agora, deixou que a possuísse de novo, mais devagar, ambos chorando com os rostos escondidos.
Acordaram ali com a luz a entrar pela janela do quarto, ainda na mesma posição, abraçados, como verdadeiros amantes.
“Bom dia.”
Falava mais que o necessário.

terça-feira, 2 de março de 2010

à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Imagine-me assim: uma criança, de uns 5 ou quiçá 6 anos, presa em uma loja de objetos de cristal, todos expostos em prateleiras pelos estreitos corredores. São vasos, pratos, copos, lustres e tudo mais que se pode imaginar, cada peça mais linda e delicada que a outra. Pelas primeiras horas observá-los me deixa extasiada, sem necessidade de respirar, apenas absorvendo todo o brilho a minha volta, são tantas cores vindas do cristal transparente. Dias depois, porém, nada me parece mais tão bonito assim; há imperfeições, poeira e rachaduras do tempo, os brilhos são sempre as mesmas luzes refletidas. Ocorre-me a brilhante idéia, a mais infantil de todas: por que não quebrá-los? Chutá-los um a um, ouvir os estilhaços quebrando e voando, batendo uns nos outros, machucar-me na deliciosa anarquia do caos.
Não há ninguém comigo lá, nenhum pai, responsável, ou sequer um vendedorzinho franzido, apenas placas em todos os cantos com “NÃO TOQUE” em letras garrafais e câmeras, muitas câmeras. Sou sempre observada a distancia. Logo passo a maior parte do tempo apenas observando tudo, andando calmamente, vez ou outra arriscando uma corridinha, mas nada demais, afinal, não posso tocar em nada. Já tropecei algumas vezes e quebrei pequenos objetos, mas nada que realmente pudesse me incriminar, foram apenas acidentes de percurso. Meu desejo de parti-los apenas cresce, enjaulado como uma fera, gritando cada dia mais.
Até que um dia, dia qualquer, eu acordo sem câmeras, ou sequer avisos nas prateleiras. Há mais luzes e lâmpadas, poucos cantos escuros para esconder-me caso algo de errado, mas nada para me avisar o que isso seria. Fico um tempo estática, esperando a pegadinha, procurando algum pequeno sinal de erro, mas não há nada lá. Talvez a loja tenha sido fechada, e me esqueceram dentro junto a todos aqueles objetos, agora já sem importância.