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Foi numa tarde de segunda-feira que a vi, enquanto sentava na Travessa encolhida a estudar. A primeira vista era apenas um pequeno borrão, o mais colorido que já havia visto, mas ainda uma figura disforme graças à miopia e a falta de óculos. Rapidamente os busquei dentro da mochila para poder observá-la melhor, era uma das criaturas mais belas que já me havia cruzado os olhos. Continuei ali, perdida no tempo, a admirá-la do outro lado do vidro, folheava revistas sem importância, apenas para passar o tempo. Não era o tipo de beleza para todos; era esquisita, com os cabelos curtos e roupas de cores engraçadas descombinadas, mas era o suficiente para ser o meu. Apaixonei-me ali. Não iria abordá-la, imagine só o cômico de ser abordada no meio de uma livraria em plena segunda a tarde de sol, seria demasiado embaraçoso para ambas. Ao invés contentei-me em continuar fazendo o que já havia começado: imaginar-lhe nomes. Não possuía feições doces o suficiente para chamar-se Cecília ou Sophia, meus nomes preferidos, mas a julgar pelo numero de livros em sua mão gostava tanto da arte da leitura quanto eu, então, pelo motivo mais clichê possível, chamei-lhe Alice.
Sentava-se a minha frente agora em uma das outras mesas, precisei me controlar para não encará-la demais, sei que tendo a fazer isso as vezes, por pura inocência. Como fomos felizes Alice e eu aquela tarde na minha imaginação, tínhamos uma vida, um futuro juntas. Nossas tardes eram sempre alaranjadas e com sabor de baunilha, e sempre havia uma chuva no finalzinho para refrescar; as noites eram amenas e estreladas, cheiravam a dama-da-noite e com vaga-lumes a serem vistos piscando no horizonte. Quando dei por mim estava sozinha na loja já a fechar e meu ônibus prontamente já saia do ponto, minhas coisas todas espalhadas na mesa e nada feito, as folhas apenas com as linhas azuis impressas. Arrumei tudo e logo me aprontei para partir; na saída passei propositalmente perto da mesa onde sentava mais cedo, na tentativa de capturar a sua essência já desaparecida no ar.
Voltei lá todos os dias, sentava na mesma mesa e agora com os óculos já no rosto. Alguns levava-lhe uma carta, escrita exatamente o que se lê aqui, apenas a carregava, sabia que não conseguiria entregar.
Voltei lá todos os dias, e nunca mais a vi.